2.5.05
EXEGI MONUMENTUM - Nada melhor do que ver um artista digno do nome morrer no esquecimento. Aliás, quero dizer que são dignos do nome os artistas que morrem no esquecimento. Não dispomos de formas dignas de lembrança. Um artista lembrado é o que se deixa massacrar por nossa vontade de fazer arte. Ou aquele que concebe a imortalidade como a repetição monótona e ininterrupta de um mesmo nome ao longo dos séculos*.
Nossa vontade de fazer arte reproduz justamente aquilo que mais nos constrange em arte: a arte, instituição medonha, excelência risível do que se eleva à esfera do civilizado, representativo, apaixonado, puro. A arte nada mais é do que a produção excelente e sistemática da memória consentida. Enquanto a arte é produzida, nossas vidas gozam de sua legalidade monstruosa. Nessa acepção, o esquecimento é ausência constatada pela escassez dos produtos artísticos e afeta indignação em seus repórteres, cujas denúncias funcionam como sirene e alerta para a exposição de nossa hipocrisia. Não poucas vezes, os repórteres embuídos de sentimentos pragmáticos tomam para si a prática e dobram seu comprometimento, preenchendo nossas tardes de folga com seus atos de expiação e transgressão, artistas em geral arrebatados que só elogiam a eficiência de nossos aparatos de controle - os quais, por sua vez, abraçam a pantomina em períodos aborrecidos e aguardam, com alguma diversão, os novos momentos de florescimento da barbárie.
A imortalidade, vista no quadro de divertimentos e alívio que a arte nos abre, nada mais é do que o desejo do artista de ler seu nome no bronze da instituição que o recebe. Quando um romancista da roça pretende que seu romance ocupe 700 anos do pensamento da humanidade, a arte não é apenas a mãe que lhe permite um ataque de infantilidade. Já não concebemos a eternidade como a ordem intangível das orbes e isso qualquer homem criado em curral nos ensina: quem não pensou num chocolate-ó-grandão, do tamanho da Muralha da China, para a satisfação de desejos reprimidos? Haja vista que 700 anos são muito mais enfadonhos do que a confiança do atleta, resta-nos falar da imortalidade sem louros, a imortalidade que conhecemos bem e se traduz pela impotência que temos sentido diante de nós mesmos. Para o romancista infanto-imortal, esquecimento é a injustiça que abala o justo castigo de todos.
Mortos no esquecimento, alguns artistas são capazes de provar até mais do que a existência de alguma liberdade estóica, risível ou amarga. Sua inteligência reside no gesto enviesado, nunca na resistência da barragem, quase sempre construída do mesmo lodo que força a entrada e tudo cobre.
* Essa repetição insistente, não poucas vezes, leva a injustiças gritantes. Veja o caso de nomes que nos condenam a sua eterna ouvidoria, sem que se nos ofereça em troca coisa alguma além de sua eufonia. Ocorre-me agora o distinto nome Gonçalves de Magalhães, que preenche nossos manuais de literatura sem que se faça indicação alguma do nome de seus pais, a quem por ventura devemos o nome eufônico, de tão belo destino em tais compêndios.
EXEGI MONUMENTUM - Nada melhor do que ver um artista digno do nome morrer no esquecimento. Aliás, quero dizer que são dignos do nome os artistas que morrem no esquecimento. Não dispomos de formas dignas de lembrança. Um artista lembrado é o que se deixa massacrar por nossa vontade de fazer arte. Ou aquele que concebe a imortalidade como a repetição monótona e ininterrupta de um mesmo nome ao longo dos séculos*.
Nossa vontade de fazer arte reproduz justamente aquilo que mais nos constrange em arte: a arte, instituição medonha, excelência risível do que se eleva à esfera do civilizado, representativo, apaixonado, puro. A arte nada mais é do que a produção excelente e sistemática da memória consentida. Enquanto a arte é produzida, nossas vidas gozam de sua legalidade monstruosa. Nessa acepção, o esquecimento é ausência constatada pela escassez dos produtos artísticos e afeta indignação em seus repórteres, cujas denúncias funcionam como sirene e alerta para a exposição de nossa hipocrisia. Não poucas vezes, os repórteres embuídos de sentimentos pragmáticos tomam para si a prática e dobram seu comprometimento, preenchendo nossas tardes de folga com seus atos de expiação e transgressão, artistas em geral arrebatados que só elogiam a eficiência de nossos aparatos de controle - os quais, por sua vez, abraçam a pantomina em períodos aborrecidos e aguardam, com alguma diversão, os novos momentos de florescimento da barbárie.
A imortalidade, vista no quadro de divertimentos e alívio que a arte nos abre, nada mais é do que o desejo do artista de ler seu nome no bronze da instituição que o recebe. Quando um romancista da roça pretende que seu romance ocupe 700 anos do pensamento da humanidade, a arte não é apenas a mãe que lhe permite um ataque de infantilidade. Já não concebemos a eternidade como a ordem intangível das orbes e isso qualquer homem criado em curral nos ensina: quem não pensou num chocolate-ó-grandão, do tamanho da Muralha da China, para a satisfação de desejos reprimidos? Haja vista que 700 anos são muito mais enfadonhos do que a confiança do atleta, resta-nos falar da imortalidade sem louros, a imortalidade que conhecemos bem e se traduz pela impotência que temos sentido diante de nós mesmos. Para o romancista infanto-imortal, esquecimento é a injustiça que abala o justo castigo de todos.
Mortos no esquecimento, alguns artistas são capazes de provar até mais do que a existência de alguma liberdade estóica, risível ou amarga. Sua inteligência reside no gesto enviesado, nunca na resistência da barragem, quase sempre construída do mesmo lodo que força a entrada e tudo cobre.
* Essa repetição insistente, não poucas vezes, leva a injustiças gritantes. Veja o caso de nomes que nos condenam a sua eterna ouvidoria, sem que se nos ofereça em troca coisa alguma além de sua eufonia. Ocorre-me agora o distinto nome Gonçalves de Magalhães, que preenche nossos manuais de literatura sem que se faça indicação alguma do nome de seus pais, a quem por ventura devemos o nome eufônico, de tão belo destino em tais compêndios.
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