5.6.05
QUALÉ A DIFERENÇA ENTRE O TRAGI I U COMI? - Desculpem a falta de modéstia, mas sou grande autoridade na res palhaça. Quando criança, meu hábito de abrir tampas de combustível não só criou no bairro inteiro (o glorioso Parque São Jorge de Casagrande, Biro-Biro e Mirandinha, onde Raça Negra e Os Morenos ainda são atração nas festas juninas do clube) boatos seríssimos acerca de um ladrão de gasolina, como impediram o êxito da minha primeira fuga de casa, aos 7 anos de idade, quando afetado pela hybris de tão inocente costume, pude ser rastreado por minha mãe, que naquela ocasião cumpriu bem as funções de destino e carrasco. No âmbito da memória (e favorecido pela ausência de testemunhas) bem sei que posso tudo; aliás, isso eu também achava nos idos de 85, tempo em que corria pela Avenida Celso Garcia com perucas roubadas das vitrines do saudoso Romão Magazine. Entretanto, passados mais de 20 anos, confiante quanto à maturidade que cabe aos seres pensantes (ainda que "maturidade" tenha sido a palavra que usei quando deixei de medir parágrafos com dois dedos), estava certo de que a discrição e o bom senso houvessem possuído meu corpo, o cavalo de elegantes e civilizadas entidades do Ocidente.
Poucas vezes na vida um ser pensante, a saber mestrando de um renomado departamento de estudos literários (digo mais: "esperança branca do esporte", como diziam dos boxeadores brancos nos idos de Éder Jofre - agora todo exagero me favorece) encontra sua banca de qualificação inteira numa fila de cinema a três dias de tão importante ocasião. Conselheiro Aires me vetaria a cena, tamanha a inverossimilhança. Mas mortos o Conselheiro e suas personagens, e tendo a meu favor sóbrias e vivas testemunhas, incluo-a na minha "boníssima vadiagem". Imaginem, portanto, o glorioso mestrando descendo as escadarias do cinema. A sua frente, orientador e banca.
Olhem para o mestrando. Ele nota a presença das personagens que lhe louvarão a dissertação tão bem escrita e tão bem articulada daqui a três dias. Olhem para o mestrando. Ele vê os acenos do orientador, ou melhor, chega mesmo a se espantar com a repetição exaustiva dos acenos de seu orientador, sempre tão cheio de garbo e elegância, que lhe pergunta em meio à multidão e com polegares um tanto grandes e loucos sua opinião sobre o filme a que acabava de assistir. Consciente, o mestrando distribui seu breve momento de glória em cinco degraus de escada e reflete com rapidez a melhor postura, sem ao menos repetir a modéstia de César que atravessava o afamado Rubicão. Cumprimenta-o com firmeza e espera ser apresentado à banca. Apresentações feitas, os doutores expressam surpresa diante da figura portentosa e mestranda, aquela que provavelmente lhes ocupou os últimos dias com elevadíssimas discussões. Espanto consumado, todos lhe perguntam, ao Sublime que lhes assoma a fronte, e com todas as palavras, o que teria o mestrando achado da, digamos, película. O que teria achado ele, o Mestrando, o famoso Respondedor dos célebres escritos de Whitman?
Poucas vezes na vida um ser pensante, a saber mestrando de um renomado departamento de estudos literários (digo mais: "esperança branca do esporte", como diziam dos boxeadores brancos nos idos de Éder Jofre - agora todo exagero me favorece) encontra sua banca de qualificação inteira numa fila de cinema a três dias de tão importante ocasião. Conselheiro Aires me vetaria a cena, tamanha a inverossimilhança. Mas mortos o Conselheiro e suas personagens, e tendo a meu favor sóbrias e vivas testemunhas, incluo-a na minha "boníssima vadiagem". Imaginem, portanto, o glorioso mestrando descendo as escadarias do cinema. A sua frente, orientador e banca.
Olhem para o mestrando. Ele nota a presença das personagens que lhe louvarão a dissertação tão bem escrita e tão bem articulada daqui a três dias. Olhem para o mestrando. Ele vê os acenos do orientador, ou melhor, chega mesmo a se espantar com a repetição exaustiva dos acenos de seu orientador, sempre tão cheio de garbo e elegância, que lhe pergunta em meio à multidão e com polegares um tanto grandes e loucos sua opinião sobre o filme a que acabava de assistir. Consciente, o mestrando distribui seu breve momento de glória em cinco degraus de escada e reflete com rapidez a melhor postura, sem ao menos repetir a modéstia de César que atravessava o afamado Rubicão. Cumprimenta-o com firmeza e espera ser apresentado à banca. Apresentações feitas, os doutores expressam surpresa diante da figura portentosa e mestranda, aquela que provavelmente lhes ocupou os últimos dias com elevadíssimas discussões. Espanto consumado, todos lhe perguntam, ao Sublime que lhes assoma a fronte, e com todas as palavras, o que teria o mestrando achado da, digamos, película. O que teria achado ele, o Mestrando, o famoso Respondedor dos célebres escritos de Whitman?

O Sublime, rodeado de querubins e Eternidade, responde aos doutores
Peraí! Mas você contou o fim do filme! Veredito unânime, julgamento indefensável. O Mestrando ainda arbitrava diante da banca indignada, negava sem deixar transparecer o pânico. Mas a fila andava, os grupos se separavam, não havia segunda instância. Lá está sua máscara, sob os pés da plebe de outrora, que sobe aqueles mesmos cinco degraus, a máscara reduzida a pó. Como crime tão horrendo? Como tão enorme fiasco? Como!? De repente, tudo lhe parecia indefensável: o fim do filme estava lá, em cada letra, em cada gesto, em cada degrau, em cada passo. E o mestrando entendia que pior ainda do que a certeza de ter contado o fim do filme ipsis litteris a sua ansiosa banca de qualificação, muito pior do que a revelação a cinco passos do início da trama, era ter lhes lançado a dúvida, a mesma que corroeu e fulminou heróis para eternizar dramaturgos, a mesma que cuspiu otários para o bem-estar do malandro. Mas isso já é outra coisa, talvez uma nova versão, a mais recente, do tragicômico, que dedico, ofereço e consagro, ao meu dileto amigo Woody Allen. Antes fosse só um filme fraquinho.
QUALÉ A DIFERENÇA ENTRE O TRAGI I U COMI? - Desculpem a falta de modéstia, mas sou grande autoridade na res palhaça. Quando criança, meu hábito de abrir tampas de combustível não só criou no bairro inteiro (o glorioso Parque São Jorge de Casagrande, Biro-Biro e Mirandinha, onde Raça Negra e Os Morenos ainda são atração nas festas juninas do clube) boatos seríssimos acerca de um ladrão de gasolina, como impediram o êxito da minha primeira fuga de casa, aos 7 anos de idade, quando afetado pela hybris de tão inocente costume, pude ser rastreado por minha mãe, que naquela ocasião cumpriu bem as funções de destino e carrasco. No âmbito da memória (e favorecido pela ausência de testemunhas) bem sei que posso tudo; aliás, isso eu também achava nos idos de 85, tempo em que corria pela Avenida Celso Garcia com perucas roubadas das vitrines do saudoso Romão Magazine. Entretanto, passados mais de 20 anos, confiante quanto à maturidade que cabe aos seres pensantes (ainda que "maturidade" tenha sido a palavra que usei quando deixei de medir parágrafos com dois dedos), estava certo de que a discrição e o bom senso houvessem possuído meu corpo, o cavalo de elegantes e civilizadas entidades do Ocidente.
Poucas vezes na vida um ser pensante, a saber mestrando de um renomado departamento de estudos literários (digo mais: "esperança branca do esporte", como diziam dos boxeadores brancos nos idos de Éder Jofre - agora todo exagero me favorece) encontra sua banca de qualificação inteira numa fila de cinema a três dias de tão importante ocasião. Conselheiro Aires me vetaria a cena, tamanha a inverossimilhança. Mas mortos o Conselheiro e suas personagens, e tendo a meu favor sóbrias e vivas testemunhas, incluo-a na minha "boníssima vadiagem". Imaginem, portanto, o glorioso mestrando descendo as escadarias do cinema. A sua frente, orientador e banca.
Olhem para o mestrando. Ele nota a presença das personagens que lhe louvarão a dissertação tão bem escrita e tão bem articulada daqui a três dias. Olhem para o mestrando. Ele vê os acenos do orientador, ou melhor, chega mesmo a se espantar com a repetição exaustiva dos acenos de seu orientador, sempre tão cheio de garbo e elegância, que lhe pergunta em meio à multidão e com polegares um tanto grandes e loucos sua opinião sobre o filme a que acabava de assistir. Consciente, o mestrando distribui seu breve momento de glória em cinco degraus de escada e reflete com rapidez a melhor postura, sem ao menos repetir a modéstia de César que atravessava o afamado Rubicão. Cumprimenta-o com firmeza e espera ser apresentado à banca. Apresentações feitas, os doutores expressam surpresa diante da figura portentosa e mestranda, aquela que provavelmente lhes ocupou os últimos dias com elevadíssimas discussões. Espanto consumado, todos lhe perguntam, ao Sublime que lhes assoma a fronte, e com todas as palavras, o que teria o mestrando achado da, digamos, película. O que teria achado ele, o Mestrando, o famoso Respondedor dos célebres escritos de Whitman?
Poucas vezes na vida um ser pensante, a saber mestrando de um renomado departamento de estudos literários (digo mais: "esperança branca do esporte", como diziam dos boxeadores brancos nos idos de Éder Jofre - agora todo exagero me favorece) encontra sua banca de qualificação inteira numa fila de cinema a três dias de tão importante ocasião. Conselheiro Aires me vetaria a cena, tamanha a inverossimilhança. Mas mortos o Conselheiro e suas personagens, e tendo a meu favor sóbrias e vivas testemunhas, incluo-a na minha "boníssima vadiagem". Imaginem, portanto, o glorioso mestrando descendo as escadarias do cinema. A sua frente, orientador e banca.
Olhem para o mestrando. Ele nota a presença das personagens que lhe louvarão a dissertação tão bem escrita e tão bem articulada daqui a três dias. Olhem para o mestrando. Ele vê os acenos do orientador, ou melhor, chega mesmo a se espantar com a repetição exaustiva dos acenos de seu orientador, sempre tão cheio de garbo e elegância, que lhe pergunta em meio à multidão e com polegares um tanto grandes e loucos sua opinião sobre o filme a que acabava de assistir. Consciente, o mestrando distribui seu breve momento de glória em cinco degraus de escada e reflete com rapidez a melhor postura, sem ao menos repetir a modéstia de César que atravessava o afamado Rubicão. Cumprimenta-o com firmeza e espera ser apresentado à banca. Apresentações feitas, os doutores expressam surpresa diante da figura portentosa e mestranda, aquela que provavelmente lhes ocupou os últimos dias com elevadíssimas discussões. Espanto consumado, todos lhe perguntam, ao Sublime que lhes assoma a fronte, e com todas as palavras, o que teria o mestrando achado da, digamos, película. O que teria achado ele, o Mestrando, o famoso Respondedor dos célebres escritos de Whitman?

O Sublime, rodeado de querubins e Eternidade, responde aos doutores
Peraí! Mas você contou o fim do filme! Veredito unânime, julgamento indefensável. O Mestrando ainda arbitrava diante da banca indignada, negava sem deixar transparecer o pânico. Mas a fila andava, os grupos se separavam, não havia segunda instância. Lá está sua máscara, sob os pés da plebe de outrora, que sobe aqueles mesmos cinco degraus, a máscara reduzida a pó. Como crime tão horrendo? Como tão enorme fiasco? Como!? De repente, tudo lhe parecia indefensável: o fim do filme estava lá, em cada letra, em cada gesto, em cada degrau, em cada passo. E o mestrando entendia que pior ainda do que a certeza de ter contado o fim do filme ipsis litteris a sua ansiosa banca de qualificação, muito pior do que a revelação a cinco passos do início da trama, era ter lhes lançado a dúvida, a mesma que corroeu e fulminou heróis para eternizar dramaturgos, a mesma que cuspiu otários para o bem-estar do malandro. Mas isso já é outra coisa, talvez uma nova versão, a mais recente, do tragicômico, que dedico, ofereço e consagro, ao meu dileto amigo Woody Allen. Antes fosse só um filme fraquinho.
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