2.10.05
AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS E A FÁBRICA DE SONHOS - Quão prestativos são os atores diante de "causas sociais". Basta aparecer uma que eles logo ajeitam a maquiagem e o semblante de seriedade. A mediocridade dos atores brasileiros pode ser medida por sua bondade. Nos últimos anos a interpretação do mal ficou impraticável. Mal não se interpreta mais. Segundo o protocolo brasileiro, o mal comunga com a loucura; logo, não é coisa desse mundo. O desaparecimento do mal como categoria do drama brasileiro se faz sentir nas novelas, que são tudo de relevante que um brasileiro pode consumir. Faz tempo que a "Escola de Janete Clair" não produz estórias com começo, meio e fim.
Realizar ações e elaborar seqüências de causa e conseqüência já não fazem parte da realidade brasileira e eu espero com muita fé um Todorov para me explicar o verdadeiro significado de nossa "fábrica de sonhos". Tem dias que eu me sinto em uma civilização pré-colombiana. Eu caminho por uma cidade populosa e vejo as pessoas ao meu redor em seus afazeres cotidianos. Identifico em nossa realidade as evidências de uma ciência astronômica, de uma moral coletiva, de uma escrita, de certos modos rituais de celebração da vida, da morte e dos referendos. Embora tudo isso apareça para mim de modo obscuro.
Veja bem: ninguém sabia explicar a derrota de uma civilização inteira para quinhentos espanhóis. Vargas Llosa ainda insiste numa "multidão de formiguinhas" que assistiu ao enterro de suas múmias e à morte do Zapa-Inca, um líder obscurantista que perdeu suas prerrogativas para o "individualismo espanhol". Como, de uns tempos para cá, ele é um "liberal em campanha", não podemos levá-lo a sério. Ele deve usar isso como argumento para cortes na educação, no saneamento das cidades andinas etc. Já Todorov analisa os "presságios", segundo os quais a chegada dos espanhóis é "interpretada" a partir de evidências passadas, "erros" ou "exceções" que deixaram evidências em algum passado e que os incas recuperavam a partir dos "sonhos". Muitas das narrativas incas que tratam da chegada dos espanhóis começam pela "experiência onírica" das testemunhas. Daí que Todorov reconstitui um suposto "sistema de cultura", o que me parece relativamente digno.
Tem dias que eu gostaria de estar em uma civilização pré-colombiana, sonhando com algum antropólogo estruturalista que me salvasse de minhas ruínas sem enredo, ação e personagens. Ele caminharia com calma, acompanhando o trabalho de seus assistentes. À noite, na tenda, depois de jantar sua sopa de acampamento e repassar a direção dos trabalhos, ele estenderia a noite sobre mapas e achados. Com um pincel apropriado, ficaria tirando pó da cabeça mumificada da Fernanda Montenegro. Depois, dormiria sonhando com a estranha produção de bustos de uma sociedade que não representava o "mal", talvez "impávido colosso".
AS CIVILIZAÇÕES PRÉ-COLOMBIANAS E A FÁBRICA DE SONHOS - Quão prestativos são os atores diante de "causas sociais". Basta aparecer uma que eles logo ajeitam a maquiagem e o semblante de seriedade. A mediocridade dos atores brasileiros pode ser medida por sua bondade. Nos últimos anos a interpretação do mal ficou impraticável. Mal não se interpreta mais. Segundo o protocolo brasileiro, o mal comunga com a loucura; logo, não é coisa desse mundo. O desaparecimento do mal como categoria do drama brasileiro se faz sentir nas novelas, que são tudo de relevante que um brasileiro pode consumir. Faz tempo que a "Escola de Janete Clair" não produz estórias com começo, meio e fim.
Realizar ações e elaborar seqüências de causa e conseqüência já não fazem parte da realidade brasileira e eu espero com muita fé um Todorov para me explicar o verdadeiro significado de nossa "fábrica de sonhos". Tem dias que eu me sinto em uma civilização pré-colombiana. Eu caminho por uma cidade populosa e vejo as pessoas ao meu redor em seus afazeres cotidianos. Identifico em nossa realidade as evidências de uma ciência astronômica, de uma moral coletiva, de uma escrita, de certos modos rituais de celebração da vida, da morte e dos referendos. Embora tudo isso apareça para mim de modo obscuro.
Veja bem: ninguém sabia explicar a derrota de uma civilização inteira para quinhentos espanhóis. Vargas Llosa ainda insiste numa "multidão de formiguinhas" que assistiu ao enterro de suas múmias e à morte do Zapa-Inca, um líder obscurantista que perdeu suas prerrogativas para o "individualismo espanhol". Como, de uns tempos para cá, ele é um "liberal em campanha", não podemos levá-lo a sério. Ele deve usar isso como argumento para cortes na educação, no saneamento das cidades andinas etc. Já Todorov analisa os "presságios", segundo os quais a chegada dos espanhóis é "interpretada" a partir de evidências passadas, "erros" ou "exceções" que deixaram evidências em algum passado e que os incas recuperavam a partir dos "sonhos". Muitas das narrativas incas que tratam da chegada dos espanhóis começam pela "experiência onírica" das testemunhas. Daí que Todorov reconstitui um suposto "sistema de cultura", o que me parece relativamente digno.
Tem dias que eu gostaria de estar em uma civilização pré-colombiana, sonhando com algum antropólogo estruturalista que me salvasse de minhas ruínas sem enredo, ação e personagens. Ele caminharia com calma, acompanhando o trabalho de seus assistentes. À noite, na tenda, depois de jantar sua sopa de acampamento e repassar a direção dos trabalhos, ele estenderia a noite sobre mapas e achados. Com um pincel apropriado, ficaria tirando pó da cabeça mumificada da Fernanda Montenegro. Depois, dormiria sonhando com a estranha produção de bustos de uma sociedade que não representava o "mal", talvez "impávido colosso".
posted by indigesto @ 11:11 PM
2 Comments:
Você tá tão " historiador" esses dias ... isso me preocupa!
Sou a prova de que historiadores no DTLLC só se ferram!
Eu bem já estava desconfiada desse seu medo... de mim, inclusive!
Agora, por que você gosta da minha caixa de comentários? Só porque a maioria dos que tem a incerteza do que afirmam nela são anônimos que mandam Spam's? Bobagem sua ... eu mal posso esperar o post nosso de cada dia porcausa do seu respectivo comentário anônimo!
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