7.8.06

APRESENTAÇÃO (MINHA PRIMEIRA SEÇÃO DOS A.S.A., ASSOCIAÇÃO DOS SUICIDAS ANÔNIMOS) — Boa noite, meu nome é Pâncreas. Antes que vocês comecem a rir de mim, quero dizer que não estou aqui por dinheiro, time de futebol e mulher. Estou aqui por causa de Manoel Carlos, o novelista. Tudo bem, o Palmeiras era uma causa mais nobre. Mas o Palmeira tem o Edmundo, o único boleiro filósofo do Brasil. O fato é que Manoel Carlos é uma pedra no meu caminho. Eu nem sei como escrever o nome dele. Escolhi o que considero mais irritante. Eu quero lhes dizer que Manoel Carlos escreve novelas para me calar. Ele impõe censura no meu horário nobre. Minha mãe não quer me ouvir enquanto assiste a Páginas da Vida. Minha irmã resolveu agora ficar do lado dela. No começo, ela se divertia enquanto eu alimentava rancores como "olha só a Ongueira Duarte passando", "esse Hélio de la Peña operado é o fim", "quem agüenta Ana Paula Arósio pagando os peitinhos que não tem?", "por que Tarcísio Meira me causa Desejo de Matar?", "de que mal da terceira idade Glória Menezes morrerá agora?", "por que não mostram logo o papanicolau da empregadinha Winitz?", "por que a maioria das pessoas escrotas desse país não se parecem com a personagem mais escrota da novela?". No começo, minha mãe bufava. Ela me dizia que o Manoel Carlos fala sobre a realidade da sociedade brasileira. As questões que mobilizam a opinião pública. Eu estava começando a ficar muito aliviado quando percebi que não fazia parte da sociedade brasileira. Na sociedade brasileira, você não pode alimentar preconceitos porque Deus castiga, mas acha bom ficar todo babado. Mas de repente apareceu Caco Ciocler e ela começou a me dizer que ele é quinem você. Eu já pensei em sair de casa na hora da novela. Hoje, por exemplo, fui dar uma volta na rua, a pé, tomar um ar fresco. Mas eu comecei a ficar encanado com o fato de alguém estar me interpretando na novela. É como estar vivendo sobre censura: eu não posso falar porque Caco Ciocler está fazendo isso por mim, da maneira mais bem comportada e artística possível. Se eu começo a falar, é como se eu o interpretasse. Pára de imitar o chato da novela, Pâncreas! Não bastasse ter a voz roubada, perdi toda a minha individualidade — graças a Manoel Carlos. Por isso, estou aqui. Obrigado por me acolherem.

APRESENTAÇÃO (MINHA PRIMEIRA SEÇÃO DOS A.S.A., ASSOCIAÇÃO DOS SUICIDAS ANÔNIMOS) — Boa noite, meu nome é Pâncreas. Antes que vocês comecem a rir de mim, quero dizer que não estou aqui por dinheiro, time de futebol e mulher. Estou aqui por causa de Manoel Carlos, o novelista. Tudo bem, o Palmeiras era uma causa mais nobre. Mas o Palmeira tem o Edmundo, o único boleiro filósofo do Brasil. O fato é que Manoel Carlos é uma pedra no meu caminho. Eu nem sei como escrever o nome dele. Escolhi o que considero mais irritante. Eu quero lhes dizer que Manoel Carlos escreve novelas para me calar. Ele impõe censura no meu horário nobre. Minha mãe não quer me ouvir enquanto assiste a Páginas da Vida. Minha irmã resolveu agora ficar do lado dela. No começo, ela se divertia enquanto eu alimentava rancores como "olha só a Ongueira Duarte passando", "esse Hélio de la Peña operado é o fim", "quem agüenta Ana Paula Arósio pagando os peitinhos que não tem?", "por que Tarcísio Meira me causa Desejo de Matar?", "de que mal da terceira idade Glória Menezes morrerá agora?", "por que não mostram logo o papanicolau da empregadinha Winitz?", "por que a maioria das pessoas escrotas desse país não se parecem com a personagem mais escrota da novela?". No começo, minha mãe bufava. Ela me dizia que o Manoel Carlos fala sobre a realidade da sociedade brasileira. As questões que mobilizam a opinião pública. Eu estava começando a ficar muito aliviado quando percebi que não fazia parte da sociedade brasileira. Na sociedade brasileira, você não pode alimentar preconceitos porque Deus castiga, mas acha bom ficar todo babado. Mas de repente apareceu Caco Ciocler e ela começou a me dizer que ele é quinem você. Eu já pensei em sair de casa na hora da novela. Hoje, por exemplo, fui dar uma volta na rua, a pé, tomar um ar fresco. Mas eu comecei a ficar encanado com o fato de alguém estar me interpretando na novela. É como estar vivendo sobre censura: eu não posso falar porque Caco Ciocler está fazendo isso por mim, da maneira mais bem comportada e artística possível. Se eu começo a falar, é como se eu o interpretasse. Pára de imitar o chato da novela, Pâncreas! Não bastasse ter a voz roubada, perdi toda a minha individualidade — graças a Manoel Carlos. Por isso, estou aqui. Obrigado por me acolherem.